Paulo Sergio Coelho
Na introdução de “The Politics of Institutional Weakness in Latin America”, Daniel M. Brinks, Steven Levistky e María Victoria Murillo apresentam uma estrutura — ou, como chamam no original, uma “framework” — para examinar instituições fracas. A premissa dos autores é a de que a democracia exige a aplicação isonômica do rule of law — i.e., perante a lei, todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual, apesar das desigualdades criadas pelo mercado e pela sociedade. Ocorre que essa isonomia pode ser minada pela fraqueza institucional, o que acaba por prejudicar iniciativas de usar regras jurídicas para combater as desigualdades que acometem a América Latina. Sem deixar de reconhecer que instituições podem servir para reforçar ou exacerbar desigualdades e proteger elites autoritárias, Brinks, Levitsky e Murillo adotam o seguinte pressuposto antes de partir para o diagnóstico de instituições fracas: nenhuma democracia funciona bem sem instituições fortes.
Cientes de que de nada adianta medir a força de instituições sem defini-las primeiro, os autores apresentam-nos a definição do economista Douglass North, que recebeu o Prêmio Nobel em 1993 por utilizar a teoria econômica e métodos quantitativos para explicar mudanças institucionais. Ao falar em “humanly devised constraints that shape human interaction”, de forma análoga às regras do jogo em um esporte competitivo, Brinks, Levitsky e Murillo argumentam que instituições são feitas de regras, e não meras expectativas de comportamento. O foco é em instituições formais, e o cerne do texto é a efetividade desse conjunto de regras. Instituições fortes definem metas ambiciosas e as atingem, enquanto instituições fracas não alcançam nada, seja porque não definiram metas minimamente desafiadoras, seja porque não se propuseram a alcançá-las.
Os autores passam, então, a oferecer sua tipologia de fraqueza:
insignificância: sem qualquer ambição, instituições mantêm o estado de coisas a ponto de serem supérfluas e simbólicas;
descumprimento (“noncompliance”): ainda que significativas e ambiciosas no papel, instituições falham em atingir seus objetivos — as causas dessa falha são várias, e os autores nos falam de “instituições de vitrine”, de “descumprimento seletivo”, entre outras subclassificações que delineiam um quadro de violação institucional por incompetência ou má vontade estatal, bem como por resistência social; e
instabilidade: quando se constata uma taxa muito alta de mudança institucional a ponto de os atores políticos não conseguirem desenvolver expectativas estáveis sobre as regras do jogo, temos instabilidade institucional — em casos extremos, as mudanças ocorrem em série e as regras são reescritas a cada mudança de governo.
Ao pensarmos na tipologia de Brinks, Levitsky e Murillo para examinar o papel do STF no contexto institucional brasileiro, podemos afirmar, de pronto, que a corte nem de longe pode ser considerada uma instituição insignificante — apenas a título exemplificativo, julgados como o do reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos (ADI n.º 4.277-DF de 2011) e o da equiparação de condutas homotransfóbicas ao crime de racismo (ADO n.º 26-DF de 2019) demonstram que o STF tem alterado o estado de coisas na sociedade brasileira (antes desses julgados, duas pessoas do mesmo sexo não poderiam lavrar uma escritura pública de união estável e pactuar seu regime de bens, assim como uma ofensa homofóbica em uma rede social poderia ser entendida como mera injúria ou mesmo um fato atípico). Certamente, não é de insignificância que padece a Suprema Corte.
Tampouco se pode falar em descumprimento ou “noncompliance” de seus julgados. Salvo anedotas excêntricas — como a recusa do senador Renan Calheiros em receber o oficial de justiça que o intimaria de uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, a qual o havia afastado da presidência do Senado, ou, mais recentemente, as reiteradas ameaças do presidente Jair Bolsonaro de não cumprir decisões “absurdas” proferidas pelo ministro Alexandre de Moraes —, é inegável que os julgados do STF encontram-se revestidos de autoridade no contexto político e social do Brasil. Ao menos não se pode falar aqui em desobediência ostensiva ou em instituição de vitrine — o STF tem ampla competência para julgar diversas matérias (de onde se extrai sua “meta ambiciosa”), e suas decisões, via de regra, são cumpridas pelos atores políticos.
A principal crítica que se pode fazer ao STF encontra-se na esfera da instabilidade. Brinks, Levitsky e Murillo reconhecem que cortes podem ser fontes de instabilidade: as constantes mudanças de interpretação sobre um mesmo dispositivo ou a adoção de interpretações que não sobrevivem aos mandatos dos juízes-intérpretes são hipóteses claras. Aqui, basta lembrar o vaivém de leituras sobre o art. 5º, inc. LVII, da Constituição — o entendimento a favor da prisão em 2ª instância externado nos julgamentos do HC nº 126.292-SP e da medida cautelar nas ADCs nº 43-DF e 44-DF, ambos de 2016, foi radicalmente alterado no julgamento de mérito das ADCs, em 2019, com a alteração dos votos dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O recente julgamento — ainda inconcluso — sobre a impenhorabilidade de bem de família de fiador em contrato de locação comercial é outro exemplo: como ficarão os milhares de contratos que se basearam não só no texto expresso do art. 3º, inc. VII, da Lei n.º 8.009/1990, mas sobretudo no tema 295 de repercussão geral do próprio STF (“É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”), de 2010? O Supremo pode, onze anos mais tarde, simplesmente dizer que não quis dizer aquilo que disse claramente? Qual é a responsabilidade de uma corte constitucional na aplicação das regras do jogo democrático e qual é o seu papel na garantia da segurança jurídica?
O texto de Brinks, Levitsky e Murillo é pedagógico ao classificar instituições fracas, mas, mais do que isso, convida o leitor a olhar as instituições ao seu redor e reconhecer eventuais sintomas de fraqueza. É um bom antídoto para revigorar o anêmico e acordar o anestesiado.

Obra Resenhada: BRINKS, Daniel M.; LEVISTKY, Steven; MURILLO, María Victoria. The Politics of Institutional Weakness in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.
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Paulo Sérgio Coelho é mestrando no programa de Mestrado Acadêmico em Direito e Desenvolvimento da FGV Direito SP, bacharel em Ética, Política e Economia pela Yale University (2012) e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP (2015).
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