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Yasser Reis Gabriel




Período em que cursou o Programa: 2014 - 2016

Professor Orientador: Carlos Ari Sundfeld

Entrevistadores: Camila Castro Neves (mestre pela FGV DIREITO SP), Kizzy Motta (mestranda na FGV DIREITO SP) e Mateus Stallivieri da Costa (doutorando na FGV DIREITO SP)


Minibio: Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV DIREITO SP e doutor pela Universidade de São Paulo (USP). Professor colaborador da FGV DIREITO SP nos cursos de Direito Administrativo e Direito e ESG da pós graduação lato sensu (GVLaw), pesquisador do Observatório do TCU, vinculado ao Grupo Público da FGV DIREITO SP em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público - sbdp, e membro da coordenação da Escola de Formação Pública (EFp). É também sócio do escritório Sundfeld Advogados, onde atua como consultor jurídico nas áreas de direito administrativo, regulação, infraestrutura e controle de contas.



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Você concluiu a graduação em Direito no Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) em 2013 e, logo no ano seguinte, ingressou no programa de mestrado acadêmico da FGV DIREITO SP. Como foi sua tomada de decisão de se mudar do Pará para São Paulo e entrar no programa da Escola?


Em primeiro lugar, agradeço pelo convite e acho muito interessante essa oportunidade de conversar com os alunos atuais do Programa e tentar ajudá-los contando a minha experiência. Quanto à decisão de emendar graduação e mestrado, a ideia surgiu porque fui monitor de direito administrativo durante a graduação. Entrei na monitoria porque gostava muito da disciplina e tinha interesse em ter mais contato com a matéria. Na monitoria, fui tomando gosto por atividades acadêmicas.


Durante esse período, por recomendação da professora de quem eu era monitor, comecei a ler outras obras de direito administrativo, além das que eram vistas no programa da disciplina. Aí entrei em contato com textos do professor Carlos Ari Sundfeld, principalmente o livro “Direito administrativo para céticos”. Gostei tanto das ideias e do estilo, que logo pensei que queria fazer mestrado orientado por ele.


Por conta desse momento, em que eu queria continuar com o envolvimento acadêmico e por ter encontrado um professor que apresentava uma linha de pesquisa que me interessava, fui procurar a instituição de ensino em que ele estava. Por isso, a FGV foi a única universidade em que prestei o processo seletivo do mestrado. A vinda para São Paulo decorreu disso.


Posso dizer que foi uma adaptação fácil, pois gostei do que encontrei aqui. Acredito que, entre outras coisas, por ter encontrado na FGV um programa com o qual me identifiquei e que permitiu meu envolvimento em várias atividades diferentes. Além disso, a FGV é muito aberta a alunos de fora de São Paulo, então havia pessoas de outras regiões do Brasil também, o que ajudou a eu não me sentir deslocado.


Em relação ao impacto de sair da graduação e entrar direto no mestrado, sob o ponto de vista de conteúdo, eu diria que os primeiros meses foram mais difíceis. Os textos eram de um tipo que eu não estava acostumado a estudar, eram debates que eu não estava acostumado a fazer e, que, muitas vezes, partiam de premissas comuns para a realidade acadêmica paulistana, mas não tão presentes no resto do Brasil.


Lembro que em um dos primeiros dias de aula, em uma disciplina com dois excelentes professores, o Mário Schapiro e o Caio Mário da Silva Pereira Neto, foram trabalhados textos da Escola de Chicago. Foi um choque para mim, porque saí de uma aula de manual, na graduação, para cair nesse tipo de debate. Tive que correr muito para chegar em um nível que me permitisse participar bem das aulas.


No início, eu demorava três horas para conseguir ler um texto de 12 páginas e extrair dois ou três pontos que eu pudesse falar nos debates. Mas, depois que você pega o jeito, vai relativamente tranquilo. Minha dica para esse momento de transição é não se assustar com o conteúdo.


Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Graduação envolveu o estudo da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e, desde então, essa parece ser uma linha que se manteve presente no seu trabalho como pesquisador, tanto na sua tese de doutorado desenvolvida na USP, intitulada “Harmonização de efeitos das sanções de direito administrativo”, como também na sua atuação como pesquisador do Observatório do TCU. Como surgiu o interesse por esse tema?


Na graduação, o interesse surgiu pela ignorância. Eu não tinha estudado nada sobre tribunais de contas durante o curso e, quando chegou o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso, decidi pesquisar algo que tivesse a ver com o tema. Pensei que era uma oportunidade de aprender sobre alguma coisa que eu ignorava e que estava na área do direito que eu tinha interesse.


Engraçado que, para o mestrado e para o doutorado, até mesmo no caso do Observatório do TCU, esse tema não foi um link consciente para mim. Não comecei a estudar TCU na graduação e pensei em dar sequência em outras pesquisas. Mas acredito que esse ressurgimento do interesse de pesquisar o tema em momentos diferentes não tenha sido coincidência. Afinal, para quem está trabalhando e pesquisando direito administrativo, não tem como não lidar com tribunal de contas. Caso contrário, você está deixando uma parte super rica do direito administrativo brasileiro fora do seu radar. Daí, por conta dessa importância, o TCU foi um objeto de pesquisa para o qual olhei em momentos diferentes da minha trajetória acadêmica. Continuo a olhar.


Especificamente quanto ao Observatório do TCU, em 2016, os professores Carlos Ari Sundfeld, André Rosilho e eu começamos a falar que queríamos fazer uma pesquisa coletiva. Depois de várias conversas, veio a ideia do Observatório do TCU, oficialmente criado em 2017. O André, coordenador do projeto, havia feito um super trabalho sobre o TCU para o doutorado dele. Daí juntamos um grupo de pessoas que estudavam e tinham interesse pelo tema.


Então, apesar de a opção por estudar o TCU em momentos diferentes não ter sido exatamente aleatória, ela também não foi uma coisa muito premeditada.


Tudo isso pra dizer que talvez o melhor conselho que a gente possa dar para alguém que pretende fazer mestrado ou doutorado seja: estude um tema sobre o qual você tenha curiosidade legítima. Ainda que seja uma coisa com a qual você não tem qualquer intimidade. Para mim, curiosidade é o elemento principal. Se escolher um tema pelo qual você não tem curiosidade real, o processo de pesquisa e escrita vai ser mais difícil do que já é. E, às vezes, a ignorância é boa nesse sentido: se eu não sei nada sobre uma coisa, e realmente quero saber, isso vai ser um estímulo para pesquisar mais sobre ela. Dessa busca surge o trabalho científico.


Durante o segundo ano do mestrado na FGV DIREITO SP, em 2015, você realizou o curso anual de direito público da Sociedade Brasileira de Direito Público - sbdp. Depois disso, você se manteve ligado à sbdp, inclusive como um dos coordenadores da Escola de Formação Pública (EF-p), programa de iniciação científica voltado a alunos graduandos de diferentes faculdades. Qual foi a importância da sbdp na sua carreira acadêmica?


Em 2015, no meu segundo ano de mestrado, o professor Carlos Ari, meu orientador e presidente da sbdp, sugeriu que eu me envolvesse com as atividades da instituição. Ele achou que essa aproximação me ajudaria a desenvolver habilidades docentes. A sbdp foi muito importante para mim, não só em termos de conteúdo, mas também para aprender muita coisa do dia a dia da vida acadêmica.


Além de ter sido onde eu dei a maior parte das minhas primeiras aulas, lá eu aprendi a não esperar que 100% ou 90% do tempo da carreira docente seja dedicado a ter ideias, ou a ter debates sofisticados. Tudo isso é muito legal, mas eu diria que, na prática, a maior parte do tempo é menos empolgante: montar o programa, selecionar material, lançar faltas, corrigir provas, pensar em aula, convidar professores e palestrantes. É a parte menos divertida, mas fundamental para que o restante funcione bem.


No mestrado, aprendemos muito sobre método e conteúdo, mas o envolvimento na sbdp, além de ter reforçado demais esses aspectos, me mostrou um outro lado. Foi ali que eu me preparei para a burocracia da academia: autorizar a entrada de professores convidados na catraca da instituição, montar powerpoint, providenciar a confecção de carteirinhas para alunos… Enfim, é preciso realizar todas essas tarefas para viabilizar a parte legal, que é o debate em sala de aula.


Os debates em sala de aula e a pesquisa são os motivos pelos quais a gente entra no mestrado e no doutorado, mas viver a academia é mais do que isso. É importante saber tudo que vem no pacote.




Turma da EF-p 2015 no Supremo Tribunal Federal

Sua dissertação de mestrado, intitulada “Procedimentos jurídicos para estruturação de concessão de infraestrutura e o desenvolvimento brasileiro”, abordou os procedimentos para a estruturação de concessões de infraestrutura, como o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Quando você elaborou seu projeto de pesquisa para participar do processo seletivo da Escola, já era esse o tema que você planejava pesquisar? Em caso negativo, como foi o processo de mudança de tema?


Na época do processo seletivo do mestrado eu só sabia que queria estudar algo relacionado a direito administrativo. Não fazia ideia do quê. Elaborei um projeto sobre parcerias público-privadas (PPP), mas com enfoque bem diferente do que eu acabei estudando no final. Hoje, olhando aquele projeto, e tendo um pouco mais de noção sobre pesquisa, vejo as atrocidades metodológicas que já cometemos e que já nos propusemos a fazer.


Mudei de tema 2 vezes ao longo do curso. Até que tomei conhecimento sobre o tal PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse). Aí acho que, novamente, foi a minha ignorância que despertou a curiosidade. Na época, gostei bastante do trabalho que fiz. Claro que, hoje, com outra cabeça, acabei ficando muito mais crítico com as coisas que produzi anteriormente. Mas, naquele momento, era o melhor trabalho que eu podia fazer.


É importante estar aberto à possibilidade de mudança de tema. Faz parte da trajetória da pesquisa e da experiência do mestrado e do doutorado. Principalmente no mestrado, por ser a primeira experiência em que a maioria irá realizar uma pesquisa acadêmica mais séria, é legal entrar com uma cabeça aberta e maleável. Pode ser que você encontre ao longo do programa algo muito interessante, que você nem cogitava de estudar.


Minha sugestão é não se apegar ao que inicialmente você pretendia estudar e ficar aberto a novas possibilidades que vão surgindo.


Um aspecto importante, é que, mudando ou não de tema, você deve ter consciência de que a elaboração do trabalho precisa ser supervisionada. É necessário sempre o diálogo com o orientador ou orientadora. É fundamental ter proximidade com o seu responsável acadêmico, isso facilita demais. Caso contrário, a chance de uma pesquisa-desastre é gigante.




Defesa da dissertação em 2016. Banca composta pelos professores Carlos Ari Sundfeld (orientador), Floriano de Azevedo Marques Neto (USP) e Mario Schapiro (FGV Direito SP)


O processo de elaboração da dissertação pode ser desafiador para os mestrandos, sobretudo em termos de definição do tema, de refinamento da metodologia, de organização do volume de leituras e, em alguns casos, de compatibilização com atividades profissionais. Como foi esse processo para você? Em especial, qual foi a estratégia que você utilizou para dar conta do elevado volume de disciplinas e, ao mesmo tempo, participar de atividades extracurriculares, publicar artigos e ainda escrever uma dissertação?


Eu queria ter uma resposta um pouco mais sofisticada, ou um pouco mais empolgante. Mas o que eu posso dizer é: ‘vai fazendo’. A gente trava se acharmos que precisamos das condições perfeitas para dar conta de tudo que a vida nos exige naquele momento.

Péssima notícia: isso nunca vai acontecer. São muitas coisas nos impedindo de chegar nessas condições perfeitas. É preciso se organizar da melhor forma que dá, mas nunca vai haver uma situação ideal. Também será preciso abrir mão de algumas coisas: ter menos convivência com família e amigos, por exemplo. Mas é tudo temporário e, no final, vale a pena.


Sobretudo entre pessoas que fazem mestrado, algo que vejo ser muito comum é achar que você deve ler tudo, fazer uma super pesquisa e só depois, com tudo arrumadinho, fichado, com os livros separados, começar a escrever. Não vou dizer que isso nunca funciona, mas para mim, e para outras pessoas que conheço que passaram por mestrado ou doutorado, não funcionou.


O melhor, para mim, é ir escrevendo, ainda que sejam umas ideias básicas. É preciso começar de alguma maneira. É normal ter oscilações ao longo da dissertação, com momentos de mais escrita e momentos de mais pesquisa.


Com base na sua experiência, quais dicas de organização você daria para ajudar os alunos que estão iniciando ou que gostariam de cursar uma pós-graduação?


Para mim, ter uma rotina de escrita, com horários definidos, foi extremamente importante. Durante o meu doutorado, optei por não tirar férias ou me ausentar do trabalho. Combinei com o pessoal do escritório que iria trabalhar todos os dias, a partir das 10h, durante 4 ou 5 meses. Acordava às 5:30h e às 6h já estava sentado em frente ao computador, iniciando a escrita, que costumava ir até umas 9:45h. Alguns dias eram ótimos, conseguia escrever bastante e em outros dias simplesmente não conseguia produzir nada. Mesmo assim, eu seguia a minha rotina diariamente.


Isso me deu tranquilidade e me permitiu manter um ritmo de produção constante. Apesar de alguns dias serem mais produtivos do que outros, acredito que ter uma rotina é essencial, pois ajuda o corpo e a mente a entender que existe um momento específico do dia destinado àquele trabalho. Sem uma rotina definida, você pode ficar sem produzir nada durante dias. Ao final de uma semana, você percebe que não avançou na sua pesquisa.


Embora possam ocorrer eventos extraordinários que interrompam a rotina, é essencial ter um planejamento, pois trabalhando um pouco a cada dia, em algum momento, você verá que já concluiu mais da metade da sua pesquisa e que já tem algo útil em mãos.





Disciplina do doutorado cursada na França em 2019


E você teria dicas específicas para a escrita de trabalhos acadêmicos?


Para a escrita, de forma geral, adoto um modelo de trabalho mais “livre”: faço um sumário para organizar como será o desenvolvimento, e depois começo a escrever o texto sem me preocupar muito se as ideias estão bem encadeadas. Faço isso porque não consigo separar os processos de reflexão e escrita. Preciso ir escrevendo enquanto eu penso, já percebi que funciono melhor dessa forma. Isso me ajuda a ter clareza nos pensamentos. Daí, quando já tenho um texto razoável, faço nele uma limpeza, às vezes mudo uns parágrafos de lugar, apago algumas coisas, melhoro outras, e aí começo a entender melhor para onde quero ir e o que preciso fazer para chegar lá.


Algo que também funciona muito bem para mim é, com alguma frequência, interromper o processo de escrita e conversar com outras pessoas sobre o tema. Quando você fala em voz alta às vezes você pensa ‘que ideia estúpida… agora que estou falando alto estou percebendo’. Ou a outra pessoa te escuta e, por ela estar fora do texto, ela consegue enxergar alguma coisa que você não enxergou. Enfoques de pessoas que não estão imersas no tema podem ser muito produtivos. Elas costumam ter visões não viciadas.


Você passou a atuar como advogado no escritório Sundfeld Advogados logo após a conclusão do mestrado, que na época exigia dedicação exclusiva dos alunos. Pouco tempo depois de ingressar no escritório, você iniciou o doutorado na USP. Como foi essa transição de ser um pesquisador em dedicação exclusiva para um pesquisador que divide seu tempo com atividades na advocacia?


Em relação ao trabalho, minhas experiências do mestrado e do doutorado foram muito diferentes entre si. No mestrado, por ser minha primeira pesquisa de fôlego mais séria, eu estava conhecendo meu ritmo. E a dedicação exclusiva foi importante para isso. Quando cheguei no doutorado, eu já sabia mais o que esperar, já conhecia melhor meu ritmo de produção e já tinha uma melhor noção de como otimizar meu tempo.


Durante o doutorado, estabeleci uma rotina em que consegui compatibilizar muito bem o trabalho, as aulas e a escrita. Mas isso só foi possível porque conversei com meus colegas de trabalho e eles, por sua vez, foram super compreensivos e me apoiaram. Se o meu escritório não tivesse permitido que eu dedicasse a maior parte da manhã para a escrita, eu não teria conseguido concluir minha tese. É importante estar em um ambiente que compreenda a sua situação e ofereça apoio.


Além disso, quando você está trabalhando ou tem outras responsabilidades que ocupam bastante o seu dia, você cria uma consciência de que não dá para perder tempo. Se você está dedicando três ou quatro horas por dia a escrever, então você terá que escrever. Não há distração, não há jeito, porque você não terá outras três horas para dedicar àquilo. Ao menos para mim, esse “não ter tempo a perder” ajuda a produzir.


Então é o ‘tripé’: autoconhecimento, organização da rotina e apoio do local de trabalho. Articulando essas três coisas você consegue produzir bem. Claro que não vai ser fácil, você vai obviamente chegar em momentos em que está exausto. Sempre digo que escrever dissertação e tese ‘dói’: você fica angustiado, você trava, não é prazeroso. Mas se você articular bem esse tripé, você consegue.


Você vivenciou etapas acadêmicas em diferentes instituições de ensino: graduou-se no CESUPA, cursou o mestrado na FGV DIREITO SP, e o doutorado na USP. Como você vê esse movimento de estudar em diferentes instituições? Quais foram as principais diferenças que você sentiu ao frequentar três escolas distintas?


Recomendo muito fazer programas acadêmicos em instituições diferentes. Acredito que isso é importante porque cada instituição vai ter um perfil, uma linha, um método de ensino diferente. Se você tem interesse na vida acadêmica, é importante ter esse trânsito em vários lugares para ser exposto a coisas novas. Essa vivência é importante até para depois você concluir que gostou mais disso ou daquilo e entender o seu perfil docente e acadêmico.


Com relação às diferenças entre instituições: eu fiz a graduação em uma faculdade do Pará que, em termos paulistanos, se aproxima da linha e métodos de ensino da PUC. Isso já é bem diferente da proposta que a gente tem na FGV. A FGV, por sua vez, é bem diferente da proposta que a gente tem na USP. São três modelos de ensino diferentes, todos com seus pontos altos e baixos, todos com suas qualidades e seus desafios.


Talvez a FGV tenha sido a instituição mais desafiadora para mim - em um bom sentido - por conta desse método super participativo que utiliza nas aulas. Se eu não tivesse lido os textos, não adiantava ir para a aula. Foi um dos períodos em que mais me desenvolvi academicamente, pois fui tirado totalmente da minha zona de conforto.


Já quanto às outras instituições, não vou focar nelas pois aqui estamos falando dentro de um blog do mestrado e doutorado da FGV. Mas é claro que elas também têm seus pontos altos e baixos. Todas trouxeram algum tipo de aprendizado e me deram habilidades diferentes para a vida acadêmica.


Você foi avaliador de candidatos no processo seletivo da pós lato sensu da Escola (FGV Law) entre 2016 e 2022. Logo depois, você iniciou um novo vínculo como professor nos cursos de Direito Administrativo e de Direito e ESG. Ser professor sempre foi um objetivo na sua vida? Como você foi moldando seu processo de formação para conseguir atuar em uma instituição de renome como a FGV DIREITO SP?


Sendo sincero, só entendi que queria ser professor no mestrado, quando comecei a dar aulas como assistente do professor Carlos Ari Sundfeld e percebi que gostava daquilo e conseguia fazer razoavelmente bem — ou sem passar muita vergonha, pelo menos. E eu diria que, novamente, foi quase por acaso: você entra no mestrado para continuar estudando direito administrativo. Lá pelas tantas, dá umas aulas, alguém fala para você que você consegue dar aula, e aí você continua dando aulas. Acho que essa não é a resposta mais idealista, mas é a verdadeira, no meu caso.


Hoje eu realmente adoro estar na sala de aula, conversar e trocar ideias. É uma coisa que me deixa muito satisfeito, que traz um sentimento de realização muito grande.

Começar a dar aula no FGV Law, programa em que hoje sou professor, também não foi um caminho muito planejado. Depois do mestrado, eu continuei envolvido com a FGV em razão da monitoria e das entrevistas do FGV Law. Colocando em perspectiva e olhando para trás, eu diria que essas experiências me ajudaram muito, pois além de desenvolver habilidades que hoje são úteis para mim em sala de aula, elas me mantiveram próximo à Escola e, no momento em que surgiu a oportunidade no FGV Law, eu estava por lá.


Considerando seu momento acadêmico e profissional atual, como você enxerga a importância da advocacia para a academia e da academia para a advocacia?


O escritório em que eu trabalho tem um perfil muito acadêmico: além de todos os sócios darem aula, a nossa atividade é essencialmente consultiva, focada na elaboração de pareceres. Então, a academia e a advocacia, no nosso caso, casam muito.


Ao invés de pautar nossas atividades acadêmicas em razão da advocacia, nós pautamos muito a advocacia pelas atividades acadêmicas. Se nós já defendemos academicamente determinado ponto de vista, se temos artigos publicados sobre determinado assunto, nós acreditamos naquilo e não daremos trabalharemos em algo contrário a esse ponto de vista. Há uma preocupação em mantermos a coerência.


Acho que isso é uma coisa que a gente consegue fazer por conta do formato do escritório. Isso para dizer que existem escritórios e modelos de trabalho que você consegue buscar para estar mais alinhado com os seus interesses acadêmicos.


Além disso, nas minhas duas pesquisas de longo prazo, tanto no doutorado quanto no mestrado, a experiência prática me ajudou totalmente. No mestrado, a troca de temas que eu comentei anteriormente foi muito em decorrência de eu ver o que, naquele momento, poderia ser útil do ponto de vista prático. Isso influenciou na minha escolha por estudar PMI. Já no doutorado, foi a experiência com tribunais de contas que me fez ver um overlapping de sanções. Foram preocupações muito práticas, que eu via no dia a dia profissional, que despertaram minhas curiosidades acadêmicas.


Muitas vezes, nós temos a impressão de que a academia não pode se misturar com o mercado. Eu acho que, dependendo de como essa mistura é feita, pode não ser um problema. É obviamente errado você fazer trabalhos acadêmicos com um viés, por conta de interesses de mercado. Mas não vejo nada de errado em você fazer trabalhos acadêmicos para responder a dúvidas relevantes, identificadas a partir de sua experiência profissional. Nessa segunda situação, eu acho que a academia pode ter uma super contribuição prática.


Considerando o cenário atual da academia, marcado pelo número cada vez maior de doutores e as dificuldades enfrentadas para ocupar vagas de professor no ensino superior, você teria alguma dica para os alunos que objetivam percorrer o mesmo caminho que você percorreu?


Minha dica é simples. Sugiro que a pessoa esteja aberta a todas as oportunidades que aparecerem, mesmo que não sejam o emprego dos seus sonhos. É importante ter em mente seu objetivo maior, mas não espere que a grande oportunidade apareça imediatamente. É provável que essa oportunidade só apareça depois de você ter passado por uma série de outras experiências, menos animadoras do que as que você tinha imaginado.


Além disso, sugiro não ter restrição com os tipos de atividade que você pode desempenhar. Nenhuma atividade é pequena demais ou irrelevante, desde que ela tenha alguma conexão com o seu objetivo.


Às vezes, temos a ideia equivocada de que a vida vai mudar totalmente, da noite para o dia, quando você obtiver o título de mestre ou doutor. Não vai. É preciso ter paciência: vai fazendo seu trabalho que uma hora aparece a oportunidade mais desejada.


Para finalizar, gostaríamos de pedir três indicações de textos. Podem ser livros, artigos, capítulos, ensaios etc. Sugerimos que a primeira trate de Direito e Desenvolvimento, a segunda se relacione com o direito administrativo e a terceira indicação não tenha ligação com a área jurídica.


A primeira indicação, relacionada ao campo do Direito e Desenvolvimento, é o “Desenvolvimento como liberdade”, de Amartya Sen. Li durante o mestrado e gostei muito.

A segunda indicação, sobre direito administrativo, é o livro “Direito Administrativo Sancionador no Brasil”, da Alice Voronoff. Traz uma super contribuição para o tema das sanções, historicamente deixado muito de lado na produção brasileira de direito administrativo.


Por último, pensando na indicação não jurídica, um dos meus livros favoritos se chama O caminho de casa, de Yaa Gyasi. É uma obra muito bonita. Conta a história de duas irmãs, criadas em tribos africanas diferentes, que nunca se conheceram. Uma delas se casa com um inglês que estava indo capturar africanos para o mercado escravo e a outra é capturada. Os capítulos do livro vão mostrando, até os dias atuais, como essa separação das irmãs - uma que se casou com um inglês e a outra que foi escravizada - impactou a vida de seus descendentes. Imperdível.


Posso indicar também os livros “Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã” e “A verdade sobre o caso Harry Quebert”. Os três são gêneros bem diferentes entre si, mas todos foram leituras excepcionais.


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